25 Anos de Computadores

por Mila Simões de Abreu [versão integral de texto publicado na rubrica "Escavando Online", in Al-Madan, IIª Série, n.º 15: 174-175]

 

 

"I think there is a world market for maybe five computers."

Thomas Watson, Presidente da IBM, 1943

 

“There is no reason for any individual to have a computer in his home.”

Ken Olsen, Presidente da Digital Equipment, engenheiro informático e industrial, 1977

 

Arqueologia informática

 

Frases como as transcritas parecem hoje ridículas mas, 60, 30 anos atrás, alguém conseguiria imaginar o papel que o computador teria na nossa vida e, portanto, também na Arqueologia? Para muitos dos que lêem hoje a Al-Madan, um mundo sem portáteis, Internet, MSN, parece impossível. Mas existiu e foi só há pouco mais de duas dúzias e meia de anos.

Lembro-me ainda do primeiro computador que vi. Estávamos no ano 1982 (há 25 anos) e eu encontrava-me no Centro Camuno di Studi Preistorici (CCSP), em Itália. O computador era um Sirius, “portátil”, de “apenas” 13 kg! Quem o trouxe foi um senhor da Unesco que nos queria convencer das vantagens de possuir tal máquina. Não fez grandes esforços, pois ficamos logo “conquistados” com a facilidade com que corrigia os erros numa frase apenas escrita. Tinha um ecrã de 10 cm onde, “por milagre”, aparecia o que se escrevia num teclado. O Prof. Emmanuel Anati, director do CCSP, arranjou logo forma de termos um. O primeiro, na verdade, foi um Victor 9000/Sirius 1, servia para escrever textos e nós não o usávamos, pois era para o pessoal da edição, mas depois ele comprou um mais moderno e mais barato (por qualquer coisa como 5000 euros de hoje). Era um IBM e tinha um rudimentar programa de banco de dados chamado PDS. Para além de escrever, podíamos pois arquivar e depois procurar informações.

Compreendemos rapidamente o que ter uma daquelas máquinas queria dizer para os nossos estudos e, por isso, mal foi possível, arranjámos um pequeno Sinclair. Em poucos meses, enquanto em muitos lares de Portugal o ZX Spectrum se transformava no brinquedo mais querido, nós, graças às habilidades de António Guerreiro (um amigo português contratado como perito em informática pelo CCSP), fazíamos catálogo de gravuras e cálculos estatísticos. E claro, jogávamos nos intervalos!

Há poucos dias, em Valcamonica, durante a reunião do Istituto Italiano di Preistoria e Protostoria, tive ocasião de visitar a primeira zona onde utilizámos o famoso SinclairDos Sotto Laiolo. Escavada e estudada por nós entre 1984-1985, está hoje transformada numa área preparada para receber invisuais e faz parte da Riserva Regionale delle Incisioni Rupestri di Ceto, Cimbergo e Paspardo.

Com o passar dos anos, o computador passou a ser um parceiro indispensável. Tivemos um Toshiba portátil em 1987, um Olivetti PC1 Prodest com hard-disk em 1990 e, finalmente, um Apple II Vi. A partir daí ficámos fiéis aos Mac. Mas, voltemos ao que importa. A “grande revolução” dos computadores ainda estava para vir. Em 1991, quando o meu amigo Christopher Chippindale, então editor da Antiquity, me deu o seu “e-mail”, dizendo que na Universidade de Cambridge trocavam mensagens com isso, eu não sabia o que fazer daqueles números, letras e estranho símbolo @.

Poucos sabem que a “batalha” para salvar as gravuras do Côa foi travada ainda praticamente só recorrendo a coisas “pré-históricas” como as BBS (Bulletin boards). O computador era praticamente usado para escrever, mandar e receber faxes. No início de 1995 as coisas começaram a mudar. Alguns amigos apoiantes do “Movimento para a Salvaguarda das Gravuras do Vale do Côa”, como o já citado António Guerreiro e o António Pessanha de Oliveira, distribuíram os nossos comunicados usando pela primeira vez a Net, graças à então criada Telepac. No Texas, Francisco de Almeida, também já através da Net, fazia eco das nossas palavras. No fim do ano de 1995, graças ao Pedro Vasconcelos da Imagine+, acabámos mesmo por criar uma página dedicada ao Vale do Côa. Infelizmente, os nossos inúmeros afazeres fizeram com que esse site nunca fosse actualizado. Aquela que foi uma das primeiras páginas de Arqueologia portuguesa na Web, já não está hoje on-line.

Desses tempos pioneiros é ainda possível visitar a página “Gravuras Paleolíticas do Vale do Côa” que, segundo as suas próprias palavras, era da “responsabilidade" do Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra. A concepção e a produção do serviço deve-se à Associação Independente de Arqueologia, sob a orientação de Joaquim Ramos Carvalho (Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) e de Domingos J. Cruz (Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra).

A partir daí e em poucos meses, a Arqueologia portuguesa passou a ter uma presença constante e sempre crescente na Net. Tal como noutros casos, muitas páginas, por serem quase sempre fruto da “carolice” de alguém, acabam por sofrer de falta de actualização e, em muitos casos, deixam de estar na rede. É o caso do Projecto Geira, o primeiro grande projecto de colocar os museus e os sítios arqueológicos on-line. A Universidade do Minho mantém, embora moribundas, algumas dessas páginas. A minha própria universidade (UTAD, de Trás-os-Montes e Alto Douro), decidiu usar o espaço no server para outros fins…

Nos últimos 25 anos assistimos à democratização do uso do computador. Os grandes protagonistas da Net somos, hoje, todos nós. Páginas pessoais, blogs, PDF de artigos, são uma fatia importante da Arqueologia na Net. Mas a Web não são só mensagens ou textos; nos últimos anos passou a ter movimento e som. O famoso Youtube tem actualmente mais de 500 vídeos com a etiqueta “arqueologia”, 670 com “Archeology” e 1230 com “Archaeology”.

Claro que no meio de tudo isto existem muitos sites com conteúdos antiquados, duvidosos e mesmo, nalguns casos, no meu parecer, “perigosos”. Tal é o caso dos milhares de páginas que, por detrás de óptima apresentação gráfica e com argumentação pseudo-científica, promovem agressivamente ideias criacionistas, aparecendo muitas vezes associadas a um certo tipo de pseudo-Arqueologia. Não vou dar o URL de nenhuma delas porque não lhes quero fazer a mínima publicidade. Em vez disso, prefiro aconselhar um dos melhores sites que existem na Web sobre essa sempre presente polémica, o Talkorigin. Tendo, portanto, em mente que nem tudo o que está na Net é de qualidade, verdadeiro ou actualizado, esta é um sítio fantástico para se aprender e recolher informações.

 

A Arqueologia na rede em Portugal

 

Ao longo dos anos, através do “Escavando…”, tive a oportunidade de vos sugerir a visita a diversas centenas de páginas, muitas delas de Portugal ou em português. Desta vez, tentarei fazer um resumo do melhor que existe na rede sobre Arqueologia Portuguesa. Para facilitar, dividi as páginas em seis tipos.

 

1. Páginas de instituições públicas

Sem dúvida que a melhor página continua a ser a do Museu Nacional de Arqueologia, provando que não foi por acaso que, há uns anos, ganhou o prémio do melhor site de Museus no Mundo, patrocinado pela Unesco. Boa apresentação gráfica e actualização constante são o segredo. Gosto em especial da secção notícias. Para quem quer estar a par das actividades do Museu, vale a pena subscrever a lista do MNA. Critiquei publicamente, por diversas vezes, a página do ex-IPA, mas com o passar dos anos muitos dos erros apontados foram corrigidos. Deve ser louvada, nem que fosse só pelo facto de ter on-line (mesmo em PDF, um formato de que se abusa desnecessariamente para fazer comunicados e anúncios, mas que é útil em artigos ou livros)  os textos monográficos da série Trabalhos de Arqueologia e os números da Revista Portuguesa de Arqueologia. Merecia uma actualização, tendo em vista o novo nome, novas atribuições, divisões e o novo quadro de pessoal.

 

2. Páginas de associações e afins

Entre estas páginas, não posso deixar de começar por assinalar a da Al-Madan (Centro de Arqueologia de Almada). Depois de ter dado problemas, principalmente ao pessoal dos Mac, é agora um ponto de referência, não só por ser possível ter acesso aos resumos dos artigos da própria revista, mas pela “Adenda Electrónica” e pela secção “Agenda”, onde é possível encontrar informações sobre encontros e congressos em todo o Mundo. A Associação Profissional de Arqueólogos fez nos últimos anos um grande esforço, e tem hoje on-line material muito útil, principalmente para os profissionais ou os que o desejam ser. Por seu lado, a Associação dos Arqueólogos Portugueses tem uma página com um excelente grafismo mas de péssima navegação, especialmente para quem usa computadores na rede académica. Na verdade, a maioria das páginas das associações peca por fraca actualização. Apesar disso, podem ter algum interesse, pois sempre contêm informações interessantes. Tal é o caso da home-page da Associação Cultural Desportiva e Recreativa de Freixo de Numão (mais conhecida por ACDR), da Associação Terras Quentes, ou da Associação para o Estudo Arqueológico da Bacia do Mondego. Frequentemente actualizado é o sítio da Arqa - Associação de Arqueologia e Protecção do Património da Amadora. Mas a página que reúne todas as qualidades (conteúdos interessantes, boa apresentação gráfica, actualidade) é a da “Casa Sarmento”, da Sociedade Martins Sarmento.

 

3. Grupos de investigação

Não são muitos os grupos de investigação, públicos ou privados, que possuem informação on-line. Destacam-se os casos do Campo Arqueológico de Tavira, do Centro de Estudos Marítimos e Arqueológicos de Lagos, do Centro de Pré-História do Instituto Politécnico de Tomar, ou do grupo de investigação do Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo, em Mação. O melhor sítio, pelo conteúdo, grafismo e facilidade de navegação é, sem dúvida, o do Grupo de Estudos do Megalitismo Alentejano.

 

4. Blogs e projectos pessoais

Nos últimos anos explodiu a moda dos blogs. Infelizmente, as vicissitudes da vida levam a que o entusiasmo inicial de muitos autores acabe por passar com o tempo. Muitos “morrem” ao fim de poucos meses. Por serem, às vezes, anónimos, os blogs são acusados de pouco sérios mas, na verdade, podem ter um papel muito importante na Arqueologia nacional, não só na divulgação de trabalhos e investigações, mas também como instrumento de comunicação entre professores e alunos, como muito bem faz Manuel Calado, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por exemplo. Têm a sua assinatura, e de membros do seu grupo de investigação, diversos dos melhores blogs portugueses. O blog Gemma é o porta bandeira e dá acesso a vários outros,  como "Paisagens Antigas, Sangue Novo", "Megalithic settlements" e o "Estado das Antas", da autoria de Leonor Rocha. Dedicados aos seus alunos mas disponíveis para todos, são os outros blogs de Manuel Calado, intitulados "As Primeiras Sociedades Camponesas", "Técnicas de Documentação Gráfica em Arqueologia" e "Métodos e Práticas em Arqueologia". Um curso de Verão da Universidade Évora deu origem ao blog "Megalitismo e Arqueologia da Paisagem”. Também sobre o mundo académico, mas muito desactualizado, é o "Arqueologia na FLUL".

Existem depois alguns blogs de associações ou organizações, como o recentemente inaugurado da Associação dos Arqueólogos Portugueses, ou o do Núcleo de Investigação Arqueológica da Era Arqueologia. A maioria, porém, acaba por ser de responsabilidade individual e com limitado âmbito geográfico, como é o caso do “ArcheoGharb: a Arqueologia e o Património no reino dos Algarves”, do também algarvio “Cidade Romana de Balsa”, da responsabilidade de Luís Fraga da Silva, do “Arqueo-Alcacer”, de António Rafael Carvalho, sobre Alcácer do Sal e o litoral Alentejano e, mais para Norte, do “Aqui d’Algores”, de Albino Cardoso, com referência à actividade e sítios arqueológicos de Fornos de Algodres, e do “Por Terras do Rei Wamba”, de Joaquim Baptista, dedicado à Beira Interior.

Outros são essencialmente temáticos como, por exemplo, “Cacos, o blog dos «caco-histórico-maníacos»”, o “Antas”, o “Late Prehistoric Architectures of the North of Portugal” e o “RomaAntiga - Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes”. Neste grupo, quero destacar“Vias Romanas em Portugal”, que me parece ser particularmente útil.

Existem também blogs generalistas e outros de comentário à actualidade, como o "Arqueotuga", o "Arqueologiapt", o "Arqueologia: teoria, método, ética e valores”, o “Neoarqueo”, de António Tavares, ou o “Patrimonium”, de Mónica Reis. E, por fim, existem muitos blogs pessoais com algumas entradas sobre Arqueologia, como o "Arqueólogos Anónimos", o "O Caco", o "A Bota do Arqueólogo" e o "Lord Jim”, de Gonçalo Leite Velho. Existem blogs que apresentam o trabalho profissional dos autores, como o “Archill”, de Guida Casella, sobre o seu trabalho no sítio de Castelo Velho.

“Transf-ferir”, o blog de Vítor Oliveira Jorge é, sem dúvida, o mais frequentemente actualizado, embora muitas vezes os seus post não tenham a ver com Arqueologia. “Heródoto”, por sua vez, é um blog escrito a diversas mãos. Como projecto individual sobre Arqueologia, continuo a pensar que o melhor é o “Arqueobeira”, actualmente em reestruturação.

 

5. Bancos de dados e fontes de investigação

Para além das bases de dados do ex-IPA - “Endovélico” - e do ex-Ippar, sobre Arqueologia vale a pena citar o fantástico banco de dados que é o “Esprit: the Engraved Stone Plaque Registry and Inquiry Tool”, onde, graças a Katina Lillios, é possível ver detalhes sobre mais de 1100 placas de xisto de 210 sítios. O “Europreart - European Prehistoric Art: inventory, contextualisation, preservation and accessibility”, com mais de 100 fichas sobre Portugal, teve até agora o incrível número de um milhão e meio de visitantes singulares. Interessante como fonte de investigação é o “Portal da Escrita do Sudoeste”, de Francisco Napoleão. A possibilidade que actualmente se tem de consultar a lista dos 15 mil títulos da Biblioteca do Museu Nacional de Arqueologia, não deve ser desprezada.

 

6. Diversos

Houve um tempo em que existiu um fórum na própria página do IPA. Infelizmente, foi usado para insultar pessoas e foi retirado do ar. O diálogo sobre assuntos relacionados com a Arqueologia está praticamente limitado ao “Fórum Arqueologia: Arqueologia em Portugal”, administrado por Luiz Castelo-Branco [52]. O site da Al-Madan acolhe também um Fórum, infelizmente pouco utilizado.

 

O melhor site na Net

Desta vez, não posso deixar de fazer cair essa escolha na lista Archport - Arqueologia Portuguesa”. Não é verdadeiramente uma página Web. As mensagens são enviadas e recebidas por aqueles que a subscrevem através do correio electrónica mas, na verdade, mesmo os que não são “assinantes” podem lê-las na Web. Ao longo destes anos, e graças à dedicação e paciência de José d’Encarnação, a “nossa” lista de Arqueologia tornou-se indispensável. Serve, é verdade, na maioria dos casos, para colocar anúncios de todas as espécies, mas não deixa, de vez quando, de ser “muro de lamentações” e palco de controvérsias. Resta dizer que os mais de 1200 inscritos não são com certeza todos arqueólogos, o que mostra como a Arqueologia é seguida por muitos. A possibilidade de, através de um computador, se poderem divulgar actividades, trocar ideias e até oferecer trabalho, é um bom exemplo do que os computadores e a Net deram à Arqueologia portuguesa nestes 25 anos.

 

Resta-me desejar que todos os que colocam páginas na Net, escrevem em blogs ou que, simplesmente, enviam mensagens, o continuem a fazer. Se algum dos leitores conhece alguma página/blog que pensa que deva fazer parte desta lista, envie-me o respectivo URL, por e-mail, que será acrescentado na versão on-line deste “Escavando…”.

 

Bom trabalho e boas “escavações” na Net.

 

Mila Simões de Abreu (msabreu@utad.pt)

 

PS. Todas as moradas estavam activas em 11 de Novembro de 2007

 

[voltar ao topo da página]   [ver outros textos]